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'''Fleming:''' As primeiras unificações da ciência moderna (Newton descobrindo que a maçã é uma Lua pequena; Maxwell unificando ótica e o eletromagnetismo, etc) foram surpresas, portanto não foram o resultado de uma busca deliberada pela unificação. Porém, é inegável que descobrir que duas leis diferentes são apenas instâncias diversas de uma mesma coisa é um caminho para a simplificação, e gostamos de pensar que a marcha rumo à simplificação seja também a marcha rumo as causas primeiras, ou seja, à explicação.
 
'''Fleming:''' As primeiras unificações da ciência moderna (Newton descobrindo que a maçã é uma Lua pequena; Maxwell unificando ótica e o eletromagnetismo, etc) foram surpresas, portanto não foram o resultado de uma busca deliberada pela unificação. Porém, é inegável que descobrir que duas leis diferentes são apenas instâncias diversas de uma mesma coisa é um caminho para a simplificação, e gostamos de pensar que a marcha rumo à simplificação seja também a marcha rumo as causas primeiras, ou seja, à explicação.
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Contudo, que exista uma teoria unificada, conquanto esteticamente desejável, é o nosso desejo, e não uma imposição da natureza.
 
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''O senhor falou que viveu num país comunista. Como foi a experiência?
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''O Richard Feynman, em um dos seus livros, fala muito sobre a maneira como os alunos brasileiros aprendiam as coisas - em suma, decorando e não entendendo. Os alunos que chegam na universidade, hoje, ainda tem dificuldades para desenvolver um aprendizado real dos conteúdos? São, digamos assim, <u>mal treinados para aprender</u>?
  
 
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Edição das 18h34min de 18 de outubro de 2007

Entrevista: Alberto Giovannini (Henrique Fleming) - Outrubro 2007

Entrevista realizada na comunidade Física do orkut: link da entrevista.

Introdução de Henrique Fleming

Olá a todos!

Meu nome é Alberto Giovannini, mas eu prefiro que vocês, durante esta entrevista, me chamem pelo meu "nickname", que é Henrique Fleming.

Sou um físico teórico, e professor do Instituto de Física da USP, São Paulo.

Terminei a graduação em 1962 e, após um estágio na Itália de dois anos, o meu doutoramento em 1969. Tornei-me professor titular em 1980, e em 2008 completarei 70 anos, e terei de me aposentar.

Aprendi física com grandes físicos: César Lattes, José Goldemberg, Luiz Carlos Gomes, Jorge André Swieca, e, sobretudo, Jun-ichi Osada e Enrico Predazzi.

Trabalhei em pesquisas nas áreas de fenomenologia das interações fortes, pólos de Regge, quebra espontânea de simetria em teoria quântica dos campos, cosmologia e em algumas outras esquisitices, como uma tentativa de interpretar a gravidade como efeito secundário da polarização eletromagnética do vácuo.

Sempre trabalhei na USP. Passei períodos longos como visitante em Turim, Roma e no CERN, Suiça; períodos mais curtos em toda sorte de lugares. Por exemplo, Herceg Novi, no Montenegro, onde tive a experiência de viver em um país comunista.

Vivo uma vida tranqüila e, na medida do possível, reclusa. Meu modelo é um santo da liturgia católica, cujo nome esqueci, que passou a vida toda em cima de uma coluna, no deserto. Como Sartre, detesto o poder. Tive de exercê-lo, como diretor-em-exercício, por seis meses, do Instituto de Física. Sobrevivemos (eu e o Instituto) por pouco.

Gosto de dar aulas. Não gosto de assistí-las.

Meu grande ídolo é Charlie Brown, do Peanuts.

Henrique Fleming, 15 de Outubro de 2007.

Perguntas e respostas

Adriano: Caro Prof. Fleming, em primeiro lugar gostaria de dizer com toda a ênfase possível que é um prazer para todos nós de gerações mais novas conviver com o senhor por meio da internet, em particular do orkut, e desfrutar da sua experiência, da sua inteligência e da sua boa vontade. :-)

Devo confessar que, antes mesmo do advento do orkut, era freqüentador da sua excelente home page e posso afirmar que li boa parte dos textos lá presentes, incluindo os técnicos. Certamente muito me foi acrescentado por tais estudos.

Sem dúvida o senhor é uma fonte de inspiração para todos da comunidade, além de contribuir de maneira única quando se trata dos nossos assuntos preferidos: física, matemática e afins.

Agora uma pergunta inicial. Quais são os seus planos para a aposentadoria? Pretende continuar envolvido com a física e o seu ensino? Tem algum projeto mais específico?

Fleming: Adriano, meus planos para a aposentadoria são de continuar fazendo exatamente a mesma coisa, isto é, dedicar-me à física e ao seu ensino. Vou continuar a escrever na internet, e possivelmente dar algumas aulas, num ritmo um pouco mais leve.

Adriano: Mais duas perguntas.

Primeiro uma de natureza mais pessoal. Se o senhor fosse um jovem estudante de física hoje, o que acredita que gostaria de estudar? Procuraria se especializar em que área e trabalhar com que tipo de problemas?

Agora a segunda, ligada à primeira, mas com um enfoque mais objetivo. Quais são as áreas quentes da física conteporânea, a seu ver? De onde podem e devem sair resultados impactantes?

Fleming: O Dirac responderia: "I don't know!".

Se eu fosse um ser puramente racional, escolheria a astrofísica, pela grande revolução em matéria de aquisição de dados. Os telescópios em órbita e os que são capazes de corrigir as distorções cusadas pela atmosfera transformaram inteiramente a astrofísica. è um segundo renascimento. Muitas surpresas já apareceram, e muitas mais aparecerão.

Contudo, eu não sou puramente racional, e sou, filosoficamente, um platonista, apaixonado pelas idéias. E, no terreno das ideías, o que mais me fascina é o que Wigner chamou de "the unreasobable effectiveness of mathematics in physical science". Gostaria de embarcar na pesquisa que usasse com o máximo radicalismo este maravilhoso instrumento de pesquisa da natureza que é a matemática (eu digo para os meus alunos que a matemática é o sexto sentido dos homens, e o sétimo das mulheres). E a área da física onde isto se dá, no momento, é a teoria das supercordas.


Daniel: E, já que eu estou com a mão na massa mesmo, faço a primeira pergunta da entrevista:

Como o Sr vê a Ciência brasileira?

Fleming: O Brasil é muito forte na área de biologia e medicina. Segundo o meu amigo Salmeron, está entre os líderes mundiais no estudo da Parasitologia. Nesta área, e em outras biomédicas, existe uma tradição mais antiga, vários institutos de pesquisa seculares, e grupos de grande qualidade espalhados pelo país. Creio que o nosso primeiro Nobel virá daí.

Meu grande e saudoso amigo argentino, Juan José Giambiagi, apaixonado pelo Brasil, me dizia, uma vez: "o Brasil precisa de um Nobel. Aí, tudo se transformará. E o mais provável é que venha da biologia. Não importa muito de onde venha".

Eu vi a Física crescer muito rapidamente, no Brasil. Quando voltei do exterior, com a minha tese de doutoramento debaixo do braço, eu tinha dois trabalhos publicados. Naquele ano, o CNPq instituiu um programa de estímulo às regiões menos desenvolvidas que funcionava mais ou menos assim: físicos de expressão teriam direito a uma verba anual do CNPq para visitar, on short notice, regiões menos desenvolvidas, para iniciar colaborações, convidar estudantes, etc. Sabem qual era o critério para se ser um físico de expressão? Ter três trabalhos publicados! Daí a seis meses eu, doutorado havia três meses, já era um "físico de expressão"...

Isto foi em 1969, e mostra o crescimento impressionante que houve, nesse intervalo. Não há como negar, então: a derivada é fortemente positiva. Hoje já temos trabalhos importantes de brasileiros, e engendrados no ambiente brasileiro.

A área que mais cresceu foi, creio eu, a de matéria condensada, que era, precisamente, a mais escassa, no Brasil, por acidentes históricos: Wataghin não era um fisico de matéria condensada. Acredito que será daí que virão os nosso primeiros grandes impactos em nível mundial.

Daniel: Quais são as suas (da Ciência brasileira) qualidadades e deficiências quando comparadas com o paradigma internacional (e.g., europeu, estadunidense, japonês, australiano).

Isso posto, na sua opinião, o que deveria ser feito para inserir a Ciência brasileira na Comunidade Internacional?

Um grande abraço, []'s!

Fleming: Os maiores obstáculos ao desenvolvimento científico, e à sua assimilação pelo país, são bem conhecidos: a baixa qualidade da educação pré-universitária, e a má administração generalizada. Temos que formar profissionais de alto nivel para superar esses obstáculos. isto naõ se faz em um dia.

Há também obstáculos de caráter cultural, muito menos sérios, mas que, de qualquer forma, atrapalham. Ainda prevalece no país um apreço muito maior à erudição do que à capacidade criativa. Costuma-se dizer: "Fulano sabe muito mais física do que Beltrano" para significar que Fulano é melhor físico do que Beltrano. Por causa dessa ambição pela erudição, muitos estudantes brasileiros hesitam em lançar-se em uma pesquisa original "porque ainda precisam aprender muito". É um erro, porque (1) Nunca se saberá tudo e, pricipalmente, (2) enfrentar um problema novo é a maneira mais eficiente de aprender os instrumentos necessários para resovê-lo.

Uma ocasião perguntaram ao grande físico soviètico Zel'dovich como ele fazia para trabalhar tão bem em tantas áreas distintas. Ele respondeu: quando entro numa área nova, naõ vou à procura de um livro. Aprendo apenas o necessário para identificar um problema interessante. A partir daí, vou aprendendo aquilo que o problema pede. Descobri que, assim, acabo obtendo um conhecimento muito mais sólido e profundo sobe a área.

É claro que há estudantes brasileiros que são tão bons que, apesar do ambiente cultural desfavorável, têm grande sucesso, em particular quando vão ao exterior, e concorrem com os delá, em geral saindo-se muto bem. Mas haverá muitos mais, quando esses problemas forem resolvidos.


Paulo E. Caro Prof Fleming:

Duas perguntas:

O senhor acredita que a busca por uma Teoria de Unificacao seja uma necessidade real da fisica ou somente (embora nao menos legitima) ansiedade intelectual dos fisicos?

Fleming: As primeiras unificações da ciência moderna (Newton descobrindo que a maçã é uma Lua pequena; Maxwell unificando ótica e o eletromagnetismo, etc) foram surpresas, portanto não foram o resultado de uma busca deliberada pela unificação. Porém, é inegável que descobrir que duas leis diferentes são apenas instâncias diversas de uma mesma coisa é um caminho para a simplificação, e gostamos de pensar que a marcha rumo à simplificação seja também a marcha rumo as causas primeiras, ou seja, à explicação.

Projetos deliberados de busca por uma unificação, porém, não são tão freqüentes. O mais famoso é o de Einstein, motivado pela grande beleza conseguida na geometrização da teoria da gravitação, e da conseqüente ambição de geometrizar "tudo". Mais recentemente, o sucesso das teorias da gauge, e o fato de que a estrutura grupal oferece até uma linguagem matemática adequada para unificar (buscar grupos simples que contenham os semi-simples sugeridos pela fenomenologia) inaugurou uma nova fase, que ainda perdura.

Contudo, que exista uma teoria unificada, conquanto esteticamente desejável, é o nosso desejo, e não uma imposição da natureza.

Que perspectivas o senhor vê hoje para se chegar a tal teoria? É que algo que se pode esperar no medio prazo?

Muito obrigado.

Fleming: Provavelmente, no processo de unificar as interações já consagradas com a gravitação, se descobrirá a existência de ainda outras interações. O processo pode ser infinito. Mas uma unificação parcial é possível a médio prazo. Talvez até já exista :-)


sheldon: Como professor de ensino médio fiquei curioso com uma parte de sua apresentação

"Gosto de dar aulas. Não gosto de assistí-las."

Parece ambíguo ! O Sr. não gostaria de assistir suas aulas?

Fleming: Bem, eu, inevitavelmente, assisto as minhas aulas...

De fato, da forma que eu escrevi parece que eu estou dizendo que gosto de dar aulas que eu não gostaria de assistir. O que eu queria dizer é que eu, quando era aluno, tinha de me esforçar para assitir a maioria das aulas de meu curso. É claro que havia muitas exceções: Schenberg dava aulas lindíssimas, cheias de idéias e desafios, assim como Lattes, Goldemberg, o professor Lyra da matemática, Jun-ichi Osada e, naturalmente, Richard Feynman, que, literalmente, hipnotizava toda a platéia.

Nas "outras" aulas, porém, eu não conseguia prestar atençaõ muito mais do que 5 minutos: e então era o professor para um lado, e eu para outro. E essas não eram as aulas realmente ruins, eram as médias. O problema, na maioria dos casos era mesmo eu. As aulas realmente ruins também existiam, mas eu não as assistia: usava o tempo para estudar por mim mesmo.

Fique claro que eu estou falando da universidade. No colégio eu era uma máquina de assistir aulas: prestava muita atenção a tudo e tomava notas, para não precisar estudar muito!


alan: Há quanto o tempo senhor começou a se dedicar ao hobby de escrever artigos online.Gosto muito deles, apesar de só poder acompanhar os introdutórios, "Calculus for the practical man"

Fleming:


LuCaSSS: olá , Prof Fleming

so 2 perguntas...

como que o mundo vê um cientista brasileiro? existe algum preconceito?


Quais as principais dificuldades que vc encontrou durante seu trajeto?


Pedro: O que você acha da entrevista em que Lattes chama Einstein de farsa?

Link: http://www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/cesarlattes.html


Ricardo: Primeiramente gostaria de ressaltar que para nós, que estamos escolhendo a física hoje para os nossos futuros, é uma oportunidade maravilhosa ter contato com alguém como o senhor.

O senhor falou em má administração generalizada. O que poderia ser feito? A estabilidade de que desfrutam os servidores públicos brasileiros, incluídos aí os pesquisadores das universidades e institutos, é negativa para a nossa ciência? As brigas por poder dentro dos institutos estão minando o desenvolvimento da pesquisa ou elas não são tão reais assim?

O senhor falou que viveu num país comunista. Como foi a experiência?

O Richard Feynman, em um dos seus livros, fala muito sobre a maneira como os alunos brasileiros aprendiam as coisas - em suma, decorando e não entendendo. Os alunos que chegam na universidade, hoje, ainda tem dificuldades para desenvolver um aprendizado real dos conteúdos? São, digamos assim, mal treinados para aprender?

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