Existem aceleradores de partículas no Brasil? Como é o Acelerador Pelletron?
1 - Introdução
Quando se fala de Física Nuclear freqüentemente são lembrados alguns aspectos negativos destrutivos e pouco se sabe sobre os benefícios trazidos nas mais diversas áreas do conhecimento.
Em grandes centros, como em São Paulo, são conhecidos centros de pesquisa e aplicação de radio-isótopos em medicina tanto em diagnósticos como em terapia. Existem ainda muitas aplicações de radiação nuclear em indústrias, dentre elas a gamagrafia, e ainda aplicações diversas de fontes radioativas como, por exemplo, em detetores de fumaça.
Como em toda pesquisa em ciência pura, a pesquisa em Física Nuclear pode trazer benefícios ou destruição dependendo do uso do conhecimento gerado. Desde os primórdios da ciência, quando filósofos gregos iniciaram a busca pela compreensão da matéria, é contínua a procura cada vez mais detalhada do que é a matéria.
Hoje em dia já se conhece muito da estrutura da matéria tanto no mundo do muito pequeno, representado por micro organismos e por átomos e núcleos, bem como no mundo do muito grande, como no dos astros que nos rodeiam.
2 - Núcleos estáveis e núcleos radioativos
Desde fins do século XIX sabe-se que os átomos são formados por uma parte central muito pequena e pesada, que é o núcleo onde estão os prótons e os nêutrons, rodeados por elétrons. Os átomos tem a dimensão de aproximadamente 10-8cm (normalmente usa-se a unidade Ǻ = 10-8cm, lê-se angstrom) e os núcleos dos átomos tem o raio dado pela relação r = r0 A1/3 onde r0 vale 1.2 x10-13 cm (normalmente usa-se a unidade F = 10-13 cm, o fermi).
Cada átomo tem como característica o seu número atômico, indicado por Z (definido pelo número de prótons, que é igual ao de elétrons), e pelo número de massa, indicado por A ( definido pela soma dos números de prótons e de nêutrons). Os elementos, que apresentam propriedades químicas bem definidas, têm números atômicos característicos e são classificados, de acordo com essas suas propriedades, na tabela bem conhecida a Tabela de Mendeleev .
Nessa tabela átomos de propriedades químicas semelhantes estão agrupados. Também, estão indicados por um símbolo característico os átomos radioativos, isto é, os que são instáveis e emitem partículas ou radiações até chegarem a um átomo estável.
Existe uma outra tabela denominada Tabela de Nuclídeos , onde são apresentados todos os núcleos conhecidos, classificados pelo número de nêutrons no eixo horizontal e número de prótons no eixo vertical. Dessa forma todos os núcleos ficam dispostos em quadrinhos com os respectivos valores de massa em unidade atômica de massa, além da vida média e do modo de decaimento, se for instável. Os nuclídeos estáveis são representados em cor diferente dos radioativos, para facilitar a identificação. Elementos que são encontrados na natureza com diferente número de nêutrons, os isótopos de um elemento, vêm acompanhados da porcentagem isotópica naturalmente encontrada.
3 - Pesquisas em aceleradores de partículas
No acelerador Pelletron 8UD instalado no edifício Oscar Sala do Departamento de Física Nuclear da USP são realizadas pesquisas em física nuclear pura e aplicada utilizando feixes de partículas diversas, aceleradas por uma diferença de potencial de até 8MV ( MV=106 V) no terminal de alta tensão.
Em 1911 Ernest Rutherford (1871-1937), considerado como o pai da física nuclear, utilizou uma pequena câmara de espalhamento com partículas alfa de uma fonte radioativa e folhas finas de ouro realizando a famosa experiência que demonstrou a existência do núcleo. O desenvolvimento de aceleradores de partículas, cada vez mis possantes, traz a possibilidade de usar feixes de partículas as mais diversas e de energias adequadas para experiências específicas. Em setembro último, foi feita a primeira tentativa de operação experimental do Large Hadron Collider, o LHC, instalado no CERN (Centre Europeéne de Recherches Nucleaires) localizado na fronteira entre a Suíça e a França, que foi amplamente divulgada na mídia.
Uma forma figurativa de mostrar o que significa uma experiência de espalhamento é a seguinte: suponha que não se pode chegar perto de um castelo situado no topo de uma montanha inatingível por alguma razão misteriosa..., e, não se possa então verificar como ele é na realidade. Então, alguém muito criativo pensa que jogando pedras com um canhão possante e verificando como elas ricocheteiam ao atingir o castelo pode-se concluir como seria a sua estrutura.
4 - O Acelerador Pelletron e equipamentos acessórios
O acelerador Pelletron é um acelerador eletrostático. Está instalado no Edifício Oscar Sala do Departamento de Física Nuclear da USP. Trata-se de um acelerador vertical abrigado numa torre especialmente projetada para evitar qualquer vazamento de radiação durante a sua operação.
A figura abaixo mostra esquematicamente o Acelerador Pelletron, dentro do edifício, inclusive o subsolo onde se encontram a sala de controle e a área experimental.
5 - A fonte de íons
No oitavo andar fica localizada a fonte de íons, onde são produzidos os íons negativos do elemento que se quer acelerar. Atualmente é utilizada uma fonte denominada MC-SNICS ( Multi Cathode Source of Negative Ions by Cesium Spputering) , dotada de 32 catodos que podem ser de diferentes materiais, cujos íons são os de interesse para a pesquisa. Na fonte, o feixe primário é de íons de cesio,esses íons positivos são acelerados contra o material do catodo devidamente posicionado, arranca um átomo do material. Esse átomo passa pela região nas vizinhanças da superfície do catodo onde interage com cesio aí presente, e ganha um elétron, tornando-se um íon negativo. Os íons negativos são sugados para fora da fonte, são focalizados para formar um feixe adequado para ser acelerado.
No oitavo andar o feixe tem a trajetória na direção horizontal, encontra um eletro-ímã o ME20 e se torna um feixe na direção vertical, indo assim na direção do terminal de alta tensão. A corrente aplicada ao eletroímã deve ser a adequada para se ter o desvio do feixe necessário.
6 - O ME 20
O ME20 é basicamente um eletroímã que vai defletir o feixe desejado da posição horizontal para a vertical, para então ser conduzido para o acelerador. A corrente necessária para defletir o feixe em questão é obtida, usando-se uma calibração prévia.
No esquema abaixo podemos ver com algum detalhe a trajetória do feixe de partículas desde a fonte de íons no oitavo andar da torre do acelerador até a câmara experimental no andar térreo (subsolo). Podem ser vistos vários elementos focalizadores e desviadores do feixe iônico, bem como bombas de vácuo e válvulas pneumáticas e de faca, utilizadas para isolar partes do sistema de vácuo, conforme a legenda. Como a canalização deve ser mantida em alto vácuo existem vários sistemas de bombeamento, com os respectivos medidores de vácuo, ao longo de toda trajetória do feixe iônico. Existem também válvulas que permitem a isolação de partes do sistema de vácuo. A focalização de um feixe iônico pode ser obtida num quadrupolo, através de campos magnéticos gerados por eletroímãs cujas correntes podem ser ajustadas convenientemente. A disposição dos pólos magnéticos define a direção de desvio do feixe. Usa-se a disposição dos pólos de modo que haja uma concentração dos íons que estejam se desviando do eixo central da canalização. Usam-se sempre pares de quadrupolos, um deles concentra o feixe na direção horizontal e o outro na direção vertical, fazendo com que o feixe fique com um formato próximo ao de um cilindro. Na foto abaixo vê-se em primeiro plano dois quadrupolos eletromagnéticos e logo depois um eletroímã para desviar o feixe horizontalmente. Quadrupolos como esses são utilizados em toda extensão da trajetória do feixe e estão indicados como dupletos no esquema acima
O desvio de um feixe pode ser conseguido através de um campo elétrico ou de um campo magnético adequado. Os dispositivos instalados ao longo da canalização para esse fim são denominados “trimmers”. No terceiro andar está localizada a parte central do corpo do acelerador. Está destacado o trocador de folha, que é o “stripper”, isto é, o filme fino de carbono onde se processa a troca de carga do feixe iônico. No oitavo andar o feixe produzido é negativo e uma vez conduzido adequadamente através da canalização, toda mantida em alto vácuo, chega a ser atraído pela alta tensão positiva acumulada no terminal de alta tensão do acelerador. Ao atravessar a película de carbono o feixe perde elétrons e se torna positivo, sendo assim novamente acelerado pelo potencial elétrico do terminal e chega ao eletro-ímã ME200, onde é desviado novamente para a direção horizontal e tem a sua energia determinada com alta precisão e alta resolução. Quando se processa a troca de carga do feixe negativo, podem ser formados feixes positivos de diferentes estados de carga. A energia do feixe depende do estado de carga, uma vez que a energia eletrostática é definida pelo produto da carga (q) pelo potencial (V), isto é, qV. No eletroímã ME200 se escolhe o feixe adequado, isto é, aquele cuja energia é a de interesse na pesquisa. No ME200 coloca-se a corrente elétrica necessária para que o feixe de interesse passe adiante na canalização. Dependendo do tipo de medida a ser efetuada são necessários diferentes arranjos experimentais para se efetuar a detecção dos produtos das reações nucleares que ocorrem. Assim, existem várias canalizações disponíveis e o feixe pode ser desviado adequadamente utilizando o ímã defletor indicado pelas letras A e B , que são as denominações das salas experimentais.
7 - O acelerador eletrostático
- ObS: Fotos cedidas pelo Prof. Dr. Alexandre A. Suaide do DFN –IFUSP, a quem agradecemos
O acelerador Pelletron é um acelerador do tipo dos aceleradores Van de Graaff comuns em feiras de ciências, mas que tem um sistema diferente de carga. Nos aceleradores Van de Graaff de demostração, a carga é obtida por atrito de uma correia. No Pelletron, o sistema de carga é feito por indução de carga, que pode ser visto na foto abaixo:
Na foto acima pode se ver os “pellets” que são cilindros de alumínio de aproximadamente uma polegada de comprimento e diâmetro aproximado de uma polegada. Os “pellets” são conectados uns aos outros por peças de teflon, que são isolantes elétricos e formam uma corrente que transporta a carga para o terminal de alta tensão. Com polarização elétrica adequada faz-se induzir cargas nos “pellets” que levam a carga quando a corrente é tracionada. A polia de tração da corrente também está visível na foto. As cargas são acumuladas no terminal de alta tensão que pode ser visto na foto abaixo:
O terminal fica localizado no centro do tanque e fica aproximadamente no terceiro andar. Dentro do terminal de alta tensão estão localizados: o sistema de descarga da corrente de “pellets”, o apetrecho que possibilita a troca de carga do feixe, etc. O feixe passa no interior do tubo acelerador mantido em alto vácuo e conectado adequadamente à estrutura de anéis que proporcionam a distribuição de alta tensão no interior do tanque do acelerador, veja foto abaixo.
Cada seção do tubo acelerador (na foto vemos uma secção completa no centro e outras duas parcialmente) tem uma estrutura tal que uma vez conectado aos anéis da estrutura do acelerador proporciona um campo elétrico uniforme no interior, onde passa o feixe de íons. Nota-se a estrutura do tubo acelerador composto por eletrodos metálicos, que transportam o campo elétrico criado pela estrutura do acelerador, entremeados por isolantes de porcelana (partes brancas). Nos eletrodos pode-se ver o local (saliências) onde se coloca um fio que será ligado à estrutura dos anéis de distribuição de potencial elétrico. O campo elétrico no interior do tubo acelerador é um campo uniforme, que acelera as partículas do feixe iônico ao longo do eixo do tubo. A estrutura interna do acelerador, destacando as colunas de sustentação do acelerador com detalhes das agulhas de descarga, bem como os anéis que contribuem para a distribuição do potencial elétrico podem ser vistos nas fotos abaixo. Dois técnicos estão trabalhando dentro do tanque na manutenção, utilizando uma plataforma interna.
Nas fotos podem ser vistas as correntes de carga, o tubo acelerador, duas colunas de sustentação do conjunto, outras duas ficam atrás, simetricamente. Na foto do lado pode ser visto em detalhe uma coluna de sustentação, formado por secções metálicas com agulhas, que através de descarga no gás isolante com que é preenchido o tanque do acelerador, possibilitam o controle da operação do acelerador. Entre duas secções metálicas da coluna de sustentação ficam peças cilíndricas isolantes (em branco) feitas de cerâmica especial. Recentemente o sistema dessas agulhas foram substituídas por resistores ( meados de 2011). Todo o conjunto é projetado para produzir o campo elétrico necessário, o mais uniforme dentro do possível, dentro do tubo acelerador, que é usado para a aceleração das partículas. Para entrar no tanque do acelerador para realizar a manutenção necessária, ou para uma eventual correção de falha, existe uma plataforma, como já foi dito, com sistema de elevador dotado de um controle que pode ser visto com o Prof. Dr. Marcelo G. Munhoz. Junto a ele pode se ver a escotilha por onde se entra no tanque.
Uma vez fechado o tanque, tira-se o ar com bombas de vácuo e preenche-se com hexafluoreto de enxofre, gás tóxico e isolante elétrico, numa pressão que depende da tensão de operação do acelerador. Processa-se em seguida a secagem do gás e do sistema todo, que sempre absorve a umidade do ar durante as intervenções de manutenção do acelerador. É feita a circulação do gás com o auxílio de bombas que fazem passar por filtros com elementos secadores, previamente recondicionados para essa finalidade. O gás isolante é normalmente armazenado em tanques apropriados, localizados no subsolo do prédio, para onde é bombeado sempre que vai ser aberto o tanque do acelerador. O tubo acelerador é mantido em ultra alto vácuo por intermédio de bombas iônicas, assim como toda a canalização por onde o feixe iônico é conduzido até chegar à câmara de espalhamento. Ao longo do trajeto do feixe é necessário usar focalizações e centralizações do feixe dentro da canalização, o que é feito através do uso de campos magnéticos criados por eletroímãs. A fotografia abaixo mostra em primeiro plano um quadrupolo eletromagnético e logo em seguida um dipolo eletromagnético. O primeiro, o quadrupolo, é usado para focalizar o feixe numa direção, horizontal ou vertical, e é normalmente usado aos pares, localizados ao longo da trajetória do feixe iônico, de modo que se faz a focalização no eixo horizontal e no eixo vertical. É necessário que o feixe esteja bem centrado na canalização para que essa focalização seja eficaz. Para isso são utilizados os defletores eletromagnéticos ou os eletrostáticos, localizados ao longo do trajeto do feixe, como indicado anteriormente, no desenho esquemático.
Na foto podem se ver trechos de uma canalização em montagem, bem como os quadrupolos e defletores que são semelhantes aos existentes ao longo trajeto do feixe entre a fonte de íons e o acelerador.
7 - O ME200
Apenas o feixe positivo de energia bem determinada deve ser conduzido até a câmara de espalhamento. Usa-se a calibração do ME200 a fim de escolher a corrente adequada para a escolha feita. Todos os demais feixes não são utilizados e se perdem em algum ponto da canalização. O ME200 além de defletir o feixe que se deseja, efetua a medição da energia desse feixe com alta resolução, de acordo com a calibração previamente feita. Na extremidade do ME200 existem duas placas que medem as correntes do feixe que não tem o raio de curvatura correto para ser transmitido, ou por ter a energia menor que a devida (numa das placas) ou o contrário(fica na outra placa). Essa informação é usada para em caso de desbalanceio fora do previsto acionar um circuito eletrônico de “feed back” que age no controle de carga do terminal de alta tensão. O acelerador Pelletron, assim como os aceleradores tandem de um modo geral, tem uma definição muito boa na energia do feixe se comparado, por exemplo, com feixes gerados em ciclotrons. A abertura das placas de controle de energia do feixe, acima descritas, define essa resolução em energia.
8 - Câmara de espalhamento
Dependendo da reação nuclear que se deseja estudar o arranjo experimental deve ser devidamente escolhido. As diferentes canalizações existentes estão adequadas para tipos diferentes de medições, isto é, para diferentes partículas a serem detectadas (partículas carregadas ou neutras, de alta ou baixa energia, com baixa ou alta resolução em energia, em coincidência temporal com algum outro evento, etc.). O feixe de partículas é direcionado para essas diferentes canalizações através da corrente elétrica adequada no eletroímã defletor (switching magnet). Abaixo mostramos uma câmara de espalhamento no extremo de uma canalização.
9 - Detetores
Partículas carregadas podem ser detectadas por detectores semi-condutores de silício ou em filmes fotográficos especiais num espectrógrafo magnético. Já partículas gama e raios X são detectados por cristais cintiladores, como cristal de NaI com tálio, acoplados a fotomultiplicadoras especiais ou por detectores de germânio lítio. Nêutrons são detectados medindo o tempo de vôo entre dois detectores. Abaixo estão mostrados um conjunto de detectores de NaI com suas respectivas fotomultiplicadoras( tubos finos pretos, que parecem espetados numa câmara de várias faces. Pode-se ver ainda detetor de GeLi, um detetor semicondutor especifico para radiação gama.
Em seguida está mostrada uma vista externa do espectrógrafo magnético. Em destaque está a abertura através da qual se posiciona o suporte do filme fotográfico, onde ficarão gravados os traços das partículas a serem detectadas.
10 - Sala de controle
Como diz o nome, da sala de controle toda a operação do acelerador e das experiências são controladas pelos pesquisadores. Os sinais elétricos produzidos pelos detectores são conduzidos até a sala de controle por cabos coaxiais adequados para cada detector e método de medição, onde são eletronicamente analizados e devidamente armazenados no computador, para analise posterior. Os sinais elétricos de controle da operação do acelerador também são conduzidos até a sala de controle, de onde as faz a devida correção, sempre que necessário. A intensidade do feixe disponível em diferentes pontos do trajeto do feixe iônico pode ser medida pela inserção de copos de Faraday por controle remoto, a partir do painel de controle. O formato do feixe também pode ser verificado com o uso de escaneadores do feixe (“beam scanners”), que reproduz tanto a posição do feixe como a distribuição de carga dentro da canalização. Todo sistema de vácuo pode ser verificado, na sala de controle, por circuitos eletrônicos mostradores do vácuo, mantidos em paralelo aos localizados junto de cada medidor ao longo da trajetória do feixe. A troca dos “strippers” de carbono também é feita no painel de controle, onde fica também identificado o número do “stripper”que está posicionado no feixe