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Entrevista com Alberto Giovannini (Henrique Fleming) - Página 2

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Gabriel: Professor Fleming

Pelo que li aqui, o senhor parece uma pessoa apaixonada não só pela Física mas também pelo ensino. No entanto, me parece que às vezes falta um pouco dessa paixão (em especial a segunda) a certos professores. Muitos dos meus professores de Física e de Matemática na faculdade (falo dessas áreas não porque o fenômeno se restrinja a elas mas porque são as únicas com que tive contato) são grandes pesquisadores em suas respectivas áreas e nitidamente entendiam profundamente a matéria que estavam lecionando. Mas alguns deles tinham dificuldades enormes em transmitir esse conhecimento, uns por (pelo menos aparente) certa falta de vontade de dar aula outros por dificuldade em ensinar mesmo. Por outro lado, tive surpresas agradáveis com professores substitutos que ainda estavam fazendo seu mestrado. Claro, tive também excelentes professores titulares e péssimos professores substitutos, mas o que quero dizer com isso é que me parece que muitas vezes falta didática a professores que evidentemente entendem muito. Como aluno, eu acho preferível um professor que talvez não tenha um conhecimento tão profundo mas que saiba transmitir o conhecimento que tem a um professor que tenha conhecimento enorme mas que não consegue estabelecer contato com a turma (evidente que o ideal é alguém que consiga unir as duas qualidades, como certos professores que tive a felicidade de conhecer).

Eu queria saber o seguinte...

1) Você, enxergando da posição de professor, acha que isso (a falta de didática e/ou de falta de vontade para ensinar) pode ser mesmo um problema sério de maneira geral ou isso é impressão (ou talvez má sorte) minha?

Fleming: Certamente é um problema freqüente, podendo chegar a ser sério. O descaso por parte de alguns professores chega ao ponto de ensinar coisas erradas, ou de simplesmente faltar a um grande número de aulas. Nesse caso é preciso denunciar os professores aos órgãos responsáveis.

Gabriel: 2) Caso você ache que chegue a ser um problema, você acredita que isso possa contribuir para aquela cultura de decoreba a que se referiu mais cedo? Você acredita que isso possa comprometer a formação do aluno?

Fleming: Não me lembro de ter falado sobre a "cultura do decoreba". Falei sobre um traço cultural brasileiro que exalta apenas o vasto conhecimento, colocando em segundo plano a criatividade. O vasto conhecimento a que eu me referi não é necessariamente um conhecimento de má qualidade, decorado. O que me preocupa é que o estudante, nesse ambiente cultural, nunca se sinta à altura de inovar. É necessário sacrificar a erudição em favor da audácia da criatividade. O melhor modo de conseguir isso é pelo exemplo do orientador.

Gabriel: 3) Ainda caso o senhor acredite que possa ser um problema, que origens ele pode ter? Ele pode ser solucionado? Como?

Obrigado!

Fleming: O desinteresse pela educação revela, imediatamente, egoismo. Educar envolve, em larga medida, compartilhar. O individualista extremado não quer perder tempo com os outros. Não creio que haja solução simples: encontrei o mesmo quadro em todos os lugares do mundo. Pode-se diminuir um pouco o problema recompensando adequadamente o bom professor. Atualmente essa recompensa existe em plano moral, mas não se traduz em nenhum benefício palpável.


Vitor: Olá Prof Fleming, ou Albrto não sei como é melhor me referir.

O senhor disse:

"Por causa dessa ambição pela erudição, muitos estudantes brasileiros hesitam em lançar-se em uma pesquisa original "porque ainda precisam aprender muito". É um erro, porque
(1) Nunca se saberá tudo e, pricipalmente,
(2) enfrentar um problema novo é a maneira mais eficiente de aprender os instrumentos necessários para resovê-lo."

Estas duas questões me levam a dois outros problemas da graduação em física.

1-a) Como incentivar o aluno a desenvolver o raciocínio lógico e dedutivo? Ou seja como levar o aluno a usar melhor o conhecimento que tem? ( em parte respondido em 2)

Fleming: Bom, eu diria que é preciso incentivar o desenvolvimento do raciocínio lógico e dedutivo e, também, do pensamento que não é dedutivo, mas baseado em analogias, na ousadia, na inspiração. O uso, mais refinado do que é necessário para a sobrevivência quotidiana, da lógica, aprende-se muito bem nas disciplinas de matemática, após cair nas sutís armadilhas do tratamento do infinito na análise matemática, por exemplo. Construir corretamente a recíproca de uma proposição, por exemplo. O número de vezes que um aluno insuficientemente treinado (e até alguns professores distraídos) demonstra uma proposição e crê ter demonstrado a recíproca, revela a necessidade desse treinamento. Mas ele, de qualquer forma, é feito, ao menos das instituições mais cuidadosas. Já aprender a ousar, descobrir analogias, elaborar conjecturas, raramente pode ser feito nos livros mais comuns. Uma exceção é o Feynman, e, de modo geral, os livros escritos por cientistas particularmente criativos, como Fermi, Landau, Frank Wilczek.

Vitor: 2-a)Como introduzir já em graduação, o mecanismo de pesquisa sem que seja algo tardio como uma monografia de fim de curso? 2-b)Como introduzir física modena, pós 1905 exceção da quântica, se as grades estão super saturadas de matérias e existe muita "sociologia interdepartamental para vencer" (Essa é porque o senhor foi diretor da física)

Fleming: (a)A iniciação científica é uma maneira, consagrada por ótimos resultados. Além disso, nos cursos eu procuro enfatizar, quando da introdução de qualquer tópico, os trabalhos e argumentos que levaram à sua descoberta.

Outra boa prática é solicitar que os alunos inventem problemas, mesmo em provas. Afinal, inventar problemas, ou perceber a existência deles, é o primeiro passo em toda descoberta científica.


Rafael: Caro Professor,

Primeiramente obrigado por participar dessa comunidade. Tenho certeza que falo por muitos (ousaria dizer todos!) quando digo que sua presença aqui é iluminadora. Depois desses elogios curtos, mas sinceros, deixa eu fazer perguntas também.

Política científica: Considerando o estágio atual da pesquisa em física Brasil, em institutos públicos, o senhor acredita que o governo deva ser "negligente", isto é, cada pesquisador deve ser contratado apenas pela sua qualidade e deve poder pesquisar o que melhor lhe convier ou o senhor acredita num plano diretor que aponte um norte? No segundo caso, em que instância: governamental ou institucional - e quão rigidamente esse plano diretor deveria ser aplicado?

Fleming: A pesquisa é movida pela curiosidade. Quanto mais livre uma instituição, melhor o ambiente para a criação. O governo pode estimular esta ou aquela área através de vantagens de vários tipos, mas não deve nterferir diretamente na direção que tomam as pesquisas. Naturalmente o governo pode criar institutos específicos para certos tipos de pesquisa estratégicos, se as instituições existentes não mostrarem interesse.

Rafael: Política institucional: O senhor acha que no cenário econômico atual, um instituto como o IFT, onde só se produz pesquisa básica, se sustenta? É obrigação de um instituto de física ter um balanço entre ciência básica e aplicada que o torne financeiramente saudável ou isso é uma maneira maléfica de pensar ciência?

Fleming: Eu acho que o IFT deveria marchar rumo a um Institute for Advanced Study. É o que nós temos mais próximo disso. Pesquisa básica é a sua vocação. Se, dela, surgirem, harmoniosamente, aplicações, bem-vindas sejam. Um instituto de pesquisa é financeiramente saudável quando não precisa cortar projetos de pesquisa por motivos financeiros.

Rafael: Futurologia: O senhor acredita que as universidade particulares brasileiras terão participação maior na pesquisa em física num futuro próximo? O senhor vê isso com bons ou maus olhos?

Fleming: Participação maior é quase inevitável, visto que é praticamente nula, no momento. Participação apreciável, acredito,mas a longo prazo. E vejo isto com muito bons olhos.

Rafael: Educação: Algumas perguntas vêm margiando sua experiência com o bem sucedido CECM, na USP. Sou um grande admirador desse projeto, principalmente pela propaganda bem sucedida que o Daniel faz aqui na comunidade. Quisera eu tê-lo conhecido quando era mais ingênuo. No cenário nacional, e talvez até mesmo internacional, esse projeto é uma mudança radical na forma de se ensinar ciência. O senhor visiona propostas de mudança tão abruptas para uma pós-graduação em física? Ou o senhor considera o modelo atual das pós-graduações próximo do ideal? Como o senhor vê o incentivo ao doutorado direto? Uma pós-graduação deve garantir um ecletismo na formação do aluno, ou deve fazer com que ele se concentre o maior tempo possível no seu tópico de tese para assim fazê-la melhor?

Fleming: A pós-graduação está acoplada fortemente à pesquisa, e é essencial que esteja. E a pesquisa é como um cavalo que tomou o freio nos dentes: indisciplinada e imprevisível. Ergo, a pós-graduação deve ser o tão flexivel quanto for praticavel. Um pequeno conjunto de regras, e basta. O modelo deve poder mudar rapidamente, ou, mesmo, deve ser possível que vários modelos convivam numa mesma instituição. Nesta linha, mudanças abruptas dificilmente serão necessárias, porque as correções de curso (no sentido náutico) serão a tônica e não a exceção.

Uma pós-graduação não deve pretender o ecletismo dos alunos, e sim, exatamente, ensiná-lo a trabalhar com muito foco.

Rafael: Olhando para as pós-graduações em física consideradas melhores do mundo (Harvard, Princeton, Cambridge, ....), como elas conseguiram essa excelência? O que os institutos de física e o governo brasileiro podem aprender com elas?

Fleming: São pelo menos dois casos bem distintos. Cambridge começou com uma linhagem muito ilustre, um certo Isaac Newton... Não podemos aprender muito com Cambridge. São séculos de excelência, num sistema de educação muito particular, para um povo muito particular.

Harvard e Princeton (Princeton University) não eram tão excelentes (em ciência) assim no início do século, embora fossem excelentes há tempo em outras áreas, como Law, Business e Divinity. Tiveram um boost tremendo patrocinado por Adolf Hitler. Como tinham uma excelente capacidade administrativa, trataram esse acontecimento fortuito com extrema competência, e deu no que deu. Também não dá para imitar. Não temos essa competência administrativa. O(s) governos(s) podem aprender com elas que existem profissionais para cada tipo de administração, e que a área de administração requer pessoas de extrema inteligência e sabedoria, capazes de perceber que a administração é uma coisa muito importante e, ao mesmo tempo, não é a atividade fim das instituições de educação. Politicos têm outras habilidades, principalmente a de conquistar votos. Políticos não são administradores: deveriam ser os ouvidores da nação. Mas estão administrando tudo...

Rafael: Educação (graduação): Deixando um pouco de lado propostas diferenciadas como o CECM, e pensando nos cursos tradicionais de física, como o senhor vê o curso de bacharelado em física: ele deve ser um curso minimalista, que faça com que o aluno seja capaz de adentrar por "tópicos de pesquisa" o mais rápidamente possível (através dos "cursos eletivos") ou deve ser um curso maximalista com uma ampla base nos conhecimentos fundamentais e deixar pesquisa para o doutorado? (Coloco a aspas em "tópicos de pesquisa", pq é óbvio que há assuntos de pequisa em física fundamental - espero que o senhor entenda minha pergunta.) O curso em física no Brasil é mesmo "lento", como alguns advogam?

Licenciatura em física: Há, em vários institutos, inclusive houve na USP há pouco tempo, grandes discussões sobre a licenciatura em física. Eu sei que o senhor não trabalha com licenciatura, e entendo se o senhor não se sentir confortável em responder essa pergunta, mas fare-la-ei de qualquer forma. Algumas perguntas atrás nesse tópico, falou-se sobre pressão política nos cursos de física e o senhor mesmo disse nunca ter sofrido. Creio, contudo, que a situação nas licenciaturas seja um pouco diferente, já que vejo as constantes diminuições nas grades curriculares (infelizmente, em detrimento da parte "física") como resultado de pressões externas. Como o senhor vê a situação da licenciatura em física no Brasil: a derivada está negativa? O curso de licenciatura deve mesmo conter apenas uma pequena introdução à física ou deve ser o mesmo curso do bacahrelado em física mas com disciplinas pedagógicas adicionadas, o que terminaria fazendo um curso maior? O senhor tem idéias de como poderíamos melhorar o ensino de licenciatura?

Fleming: Eu não entendo nada de licenciatura. Contudo, tenho minhas convicções sobre o ensino, uma das quais é que não existem professores "abstratos", isto é, treinados para ensinar alguma coisa não especificada a priori. Em outras palavras, parece-me evidente que, para ensinar física, o professor deve saber física. Uma historinha: Norbert Wiener, o grande matemático-cibernético, era um menino prodígio, filho de um professor de Harvard. Ainda muito jovem, resolveu que queria fazer o seu doutorado em filosofia da matemática, com Bertrand Russell (isto se passou não muito depois do surgimento do Russell-Whitehead, "Principia Mathematica"). Foi aceito por Lord Russell, e tocou-se para Cambridge. teve uma primeira entrevista com Russell, que se informou detalhadamente sobre o seu background. Terminada a entrevista, Russell lhe disse: "Inscreva-se no curso de Integral de Lebesgue do Godfrey Hardy. If you're going to study the philosophy of mathematics, you should as well know some mathematics".

Rafael: Ensino básico: O senhor mesmo citou a deterioração da qualidade dos alunos que estão saindo do ensino médio, principalmente da rede pública. É possível apontar algum culpado? Descaso do governo, baixo preparo dos professores, baixa remuneração, problemas sociais externos à educação? Quais seriam suas propostas para reverter esse quadro?

Fleming: Não acho que haja descaso (consciente) dos governos: seria preciso ser monstruosamente desumano para não se importar com a educação. Estou convencido de que é incompetência administrativa misturada com arrogância ideológica de vários matizes). Mas há uma longa história de (ir)responsáveis. É um problema terrível, e está piorando. Seria preciso fazer um grande sacrifício político: criar uma equipe apartidária, de técnicos não-políticos, que regesse a educação pública de primeiro e segundo grau, no país, por várias décadas, transcendendo governos. É o que vejo como possibiliade. E, claro, salários melhores.

Rafael: Física (teoria... finalmente!): O senhor tem acompanhado os desenvolvimentos recentes na teoria das supercordas, que também já foi citada nessa entrevista? O que o senhor acha dos assuntos que populam a maioria dos artigos atualmente: landscape e AdS/CFT? O senhor da opinião que o Daniel comumente compartilha aqui que esses deveriam ser assuntos secundários frente a uma String Field Theory? Quais são as perguntas da teoria das supercordas que o senhor gostaria que te respondessem?

Fleming: Uma das coisas boas da física é que você sabe muito bem se entende ou não entende de um assunto. Eu naõ entendo de supercordas. Admiro o hubris desses fantásticos "cavalgadores de nuvens", para usar a expressão de Newton da Costa sobre os físicos, mas nunca acrescentei um único grão de areia a essa praia imensa.

Como eu disse uma vez ao meu amigo e colaborador Josif Frenkel, eu não faço questão de fazer a grande descoberta, mas faço questão de entendê-la, quando for feita. Então, ao primeiro indício experimental apontando, ainda que indistintamente,para as supercordas, o velho aqui vai enfiar a cara nos artigos. Até lá, silêncio...

Rafael: Física (fenomenologia): Dos assuntos que serão estudados pelo LHC, o senhor acredita que algum deles tocará numa fenomenologia de cordas: (mesmo que seja apenas "inspirada em cordas") tais como modelos de GUT a baixas energias (interseção de branas, dimensões extras grandes) ou uso de AdS/CFT para investigar fenômenos difrativos?

Fleming: Não. Mas ficaria muito feliz se isso acontecesse.

Rafael: Peço desculpas antecipadas pela lista tão extensa e tediosa de perguntas. Aqui terminam as perguntas "sérias", abaixo há perguntas de carácter duvidoso, que novamente entendo se o senhor não quiser responder.

Curiosidade boba 1: O senhor acha que há mesmo uma resistência contra a teoria de supercordas no Brasil? Isso é um reflexo histórico da nossa forma de fazer ciência, como já ouvi mesmo meu orientador falar, ou teria outras razões?

Fleming: Não acredito que seja nada de muito profundo. Nós não temos história em ciência, para gerar tal atitude. Ao primeiro sucesso comprovado das supercordas, a canoa vai lotar. Menos os físicos matemáticos, é claro, que seguem seus próprios caminhos.

Rafael: 'Curiosidade boba 2: O que o senhor acha do plano do IFT abrir um curso de graduação? Há espaço para mais uma graduação em física em SP? O senhor acha que o corpo docente do IFT consegue levar um curso inteiro (incluindo as matérias experimentais)? O senhor acredita que esse curso teria bons alunos ou seria apenas uma sobra da FUVEST?

Um forte abraço.

Fleming: Finalmente, não gostaria de opinar sobre assuntos internos do IFT. O que quer que façam, terão, de minha parte, torcida a favor.


Silent_Man: Olá Prof Fleming,

Sinto-me lisonjeado em poder dividir algumas palavras com uma pessoa tão especial na nossa amada área (Física).

A minha relação com a física (escolar) nem sempre foi um mar de rosas e não querendo achar culpados para cobrir os meus erros, na época em que cursei o ensino médio, durante os 3 anos de curso caso não fosse pelo meu gosto pela matéria tenho a certeza de que eu teria saído da escola como a maioria dos meus colegas, querendo distância da física.

Hoje estou cursando Licenciatura em Física, já pensando em um mestrado logo após a conclusão, mas a minha real vontade seria cursar um bacharel o qual a minha universidade não possui atualmente, mas estou impossibilitado de me deslocar no momento então optei pela licenciatura e acredito estar fazendo a coisa certa quanto ao meu futuro, mesmo sabendo que vou encontrar muita dificuldade nesta área.

A realidade é que de 3000 alunos que era o total geral da escola na qual cursei o ensino média à 4 anos atrás, talvez 2 ou 3 alunos estão seguindo o mesmo caminho que o meu, então eu lhe pergunto:

- Juntando a desmotivação dos professores, a falta de qualificação(didática) e muitas vezes técnicas da própria área também e a matéria que por hora pode ser tão distante da realidade dos alunos(o que não é uma verdade). A coisa não parece estar muito atraente para os jovens de hoje. Então não seria a hora de renovar o currículo agora dando mais ênfase na física moderna nas escolas, mostrando aos jovens o que está acontecendo “hoje” na área ?

Fleming: Nunca dei aulas no ensino médio. Em respeito à comunidade, não desejo expressar aqui opiniões sobre o que não entendo. Talvez seja o caso de se convidar o prof. Alberto Villani, do IFUSP, que já foi um bom pesquisador em física e que há anos se dedica a estudos sobre o ensino da física.

Silent_Man: - O que o senhor acha da nova modalidade de ensino, EaD. É possível formar bons pesquisadores e professores desta maneira na sua opinião ?

Fleming: Quanto à educação à distãncia, não vejo por que não possa "dar certo". Quando estudamos um livro por conta própria, não é isto que fazemos? E hoje em dia existem técnicas tão sofisticadas!


Scientist: Sr. Fleming, qual é a história do curso de ciências moleculares? Quais são os seus fundadores? E idealizadores?

E as mudanças substanciais, quais foram? Há obvjetivos diferentes para o futuro?

Grande abraço e obrigado.

Obrigado, forte abraço!

Fleming: Você encontra informações sobre a história do Curso de Ciências Moleculares na minha homepage, http://hfleming.com, no ítem http://hfleming.com/papers/inter.html.

Os idealizadores foram Roberto Lobo e Erney Plessman Camargo. Os fundadores foram, entre outros, Hernan Chaimovich, Alexandre Martins Rodrigues, Luiz Carlos Gomes, Alceu Pinho Filho, Mariano Amabis, Paulo Sergio Santos, eu, um biólogo cujo sobrenome é Bicudo e alguns outros de quem não consigo me lembrar agora.

Não houve grandes mudanças. O mecanismo de divulgação utiliza, agora, informações prestadas pela FUVEST, e a administração mudou de formato.


Vittorio: Professor Fleming

Gostaria de fazer duas simples perguntas ao senhor:

1ª - O senhor conheçe o Kumon? Se sim, qual a sua opinião quanto ao mesmo?

Fleming: Não conheço, Vittorio.

Vittorio: 2ª - O senhor sugere, já chegou a sugerir ou tem preferência por algum método de estudo?

Fleming: Mais técnicas do que método. São os do Mario, que era o meu nickname, na época. (veja as técnicas de estudo aqui)


Guilherme: Professor Fleming,

gostaria de agradecê-lo pela boa vontade em compartilhar as suas experiências conosco, e espero que o senhor esteja se divertindo!

Houve algum momento(ou fato) que aconteceu durante sua carreira que por si só fez valer a pena todo o esforço e dedicação necessários para ser físico? Se sim, qual?

Obrigado, []'s!

Fleming: Houve muitos. No início da carreira, quando fui contratado, por proposta do Prof. Jun-ichi Osada, como assistente do prof. Cesar Lattes.

Mais pelo meio da carreira, senti-me muito gratificado quando recebi da Fundação Nobel a solicitação de que eu indicasse um nome para o próximo prêmio Nobel. (A indicação não foi aceita...).


pedro: Professor, como todo mundo falou, é uma honra poder trocar idéias com o senhor

1)Gostaria de iniciar perguntando se o senhor participou do movimento estudantil quando estudante e quais suas impressões a respeito dele, antes e atualmente, se possível

Fleming: Não, a não ser pelo fato de eu ter sido um dos fundadores, e vice-presidente, do CEFISMA. Mas, na época, o CEFISMA era um centro de estudos. O movimento estudantil é importante nos momentos de crise. (Dizia Nietzsche:"Nos momentos de crise nascem os filósofos).

pedro: 2)Será que os jovens estão pesquisando mais? Falo isso porque vejo muitas pessoas interessadas aquie também na minha universidade, UFSCar. Muitas pessoas fazem iniciação científica. O senhor acredita que o aumento foi apenas absoluto e não relativo ou que realmente estamos crescendo proporcionalmente na nossa produção científica - de qualidade?

Fleming: Sim em ambos os sentidos. A qualidade imediatamente mensurável é a qualidade das revistas onde os trabalhos são publicados. Esta, aumentou. A verdadeira qualidade, o trabalho de valor permanente, só se reconhece a longo prazo.

pedro: 3)Como aspirante a pesquisador, gostaria de alguns conselhos para os jovens que optaram pelas 'aventuras' dentro da ciência. Como se preparar para a pesquisa? Já é possível produzir pesquisadores de calibre sem ter que recorrer ao exterior para doutorados e pós-doutorados? (Obviamente, o intecâmbio é bastante interessante, mas seria ele um fator quase imprescindível?)

4)Essa é só se o senhor puder responder, pois não sei se é da sua área. Como o senhor avalia a pesquisa na área de Caracterização e Análise Microestrutural da Matéria? Difração de Raio-X, Raman, Microscopia de Força Atômica etc. São áreas fortes? Tenho muito interesse nessa parte e, apesar do fato de que certamente vou me informar também na minha universidade, gostaria que, se o senhor pudesse, uma opinião pudesse ser dada.

5)Finalmente, como o senhor vê a avaliação da CAPES? É confiável? Fiquei feliz de ver muitos grupos com nível 7. Podemos confiar nesse índice e ver que nossa pesquisa realmente está com uma boa concorrência?

Agradeço esclarecimento quanto a qualquer pergunta.

Fleming: O passo fundamental é a escolha do orientador. Escolha um que seja um pesquisador importante, e siga suas instruções.

Já faz tempo que se pode produzir um pesquisador de qualidade no Brasil, mas no exterior é melhor. Vá para o exterior.

A avaliação da CAPES é confiável.


moT: Professor Fleming,

lembrando de vários relatos que vi no orkut, textos na sua página, colóquios no IFUSP contando um pouco a história da USP e do IFUSP, dos projetos que participou ativamente, como o curso de ciências moleculares da USP, os alunos que orientou e pesquisadores com quem trabalhou e instituições de pesquisa que visitou, pensei esses dias, será que o professor Fleming já cogitou escrever um livro sobre todas essas experiências? O senhor pensa em escrever um livro nesse sentido?

Obrigado,

Tom.

Fleming: Não, nunca pensei nisso. Agora estou escrevendo outros livros. Guardo a sugestão.


Fernando: Professor o senhor poderia dar uma opinião rápida sobre gravitação quântica, TOE e GUT se possível?

Uma outra pergunta, o Rafael fez, mas o senhor não falou diretamente, só para um maior esclarecimento, como o senhor vê a passagem direta ao doutorado?

Fleming: Não é útil, uma apreciação rápida sobre gravitação quântica, TOE e GUT.

Quando ao doutorado direto, é uma boa. Principalmente no exterior.


LuCaSSS: olá , Professor Fleming

umas perguntinhas....

1) pela sua experiênica, voce ja vivenciou alguma cena em que o orientador roubou a idéia de aluno da pos graduação ou IC? caso sim , poderia nos contar ?

Fleming: Não.

LuCaSSS: 2) qual a melhor maneira de se previnir de orientadores que roubão idéias dos que estão fazendo pos graduação , quando tiver uma boa ideia poderemos pedir de fato algum auxilio a um orientador?

Fleming: Não é necessário. Se houver um orientador com este grau de canalhice, todos te alertarão contra ele.

Mas não se iluda. Na física teórica, que é a área que eu conheço, o caso comum é que o orientador indique ao orientando o problema em que o doutoramento será feito. Um orientador consciencioso não dará ao estudante um problema que o próprio orientador não saiba, ao menos em princípio, como se resolve. Se não for assim, ele não poderá garantir que o doutoramento se cumpra dentro do prazo de duração da bolsa.


Leonardo: Quick questions

Prof Fleming,

O sr. tem religião?

Fleming: Só quando estou com medo. Aí, tenho todas.

Leonardo: Como o sr conheceu Lifshitz? Sakurai? Que impressão eles deixaram no sr?

Fleming: Sakurai "conheci" na Itália, quando ele foi dar um seminário. Jantamos junto. Foi só um dia. Mas eu já era fã dele, por causa de seus belos trabalhos sobre mesons vetoriais. E era um fantástico lecturer.

Lifshitz eu conheci... em João Pessoa! Ficamos amigos, e nos encontramos depois algumas vezes, na Europa. Era um grande físico, mas não é facil ser reconhecido quando o seu parceiro de trabalhos é o Landau... Tenho dois volumes da coleção Landau-Lifshitz com dedicatória dele, que ele me mandou de Moscou.

Leonardo: O sr foi preso ou fichado no DOPS durante a ditadura? Como o sr. avalia o impacto da ditadura na ciência brasileira (perdas humanas? burocracia?), em especial na USP?

Fleming: Não fui preso nem fichado. Nos anos mais dificeis eu estava fora, fazendo meu doutorado. E sempre fui pacato. Tive que fugir da polícia, na Maria Antonia, uma vez. Nós perdemos muito: Schenberg, Tiomno, Leite Lopes... Para o meu grupo, fundado pelo Tiomno, receber, de repente, a notícia de que ele tinha sido caçado, foi um tremendo golpe. E, na esteira desse acontecimento, o Swieca resolveu voltar para o Rio. Um desastre.

Na burocracia houve poucas mudanças: instalaram um general na Reitoria, para examinar quem era contratado.

Leonardo: O seu pai era engenheiro formado pela Politécnica? Ele era professor da USP ou atuava como engenheiro no mercado?

Fleming: Não. Meu pai era engenheiro pela então Escola Politécnica do Rio de Janeiro, hoje Escola de Engenharia da UFRJ. Ficava num belo prédio da praça Tiradentes. Ele nunca foi professor. Sempre trabalhou como engenheiro do que seria hoje o Ministério dos Transportes. Primeiro por dois anos, em Corumbá, depois, por quase 40 anos, em Florianópolis.


Consuelo: Da ação

Estou acompanhando a sua entrevista com muito interesse e três de seus conselhos chamaram-me a atenção: "ler os grandes clássicos", "keep your independent mind" e, finalmente, "(2) enfrentar um problema novo é a maneira mais eficiente de aprender os instrumentos necessários para resolvê-lo."

Imediatamente me lembrei do início do livro "A Tabela Periódica", de Primo Levi:

"Existem, no ar que respiramos, os chamados gases inertes. Trazem curiosos nomes gregos de origem duvidosa, que significam "o Novo", "o Oculto", "o Inativo", "o Estrangeiro". E de fato são de tal modo inertes, tão satisfeitos em sua condição, que não interferem em nenhuma reação química, não se combinam com nenhum outro elemento e justamente por este motivo ficaram sem ser observados durante séculos..."

O verdadeiro "fazedor de ciência" é o que tem o "olhar" corajoso das mentes inquientas?

Fleming: Sim. Mas também existem mentes quietas com olhares corajosos. Vide Dirac. O essencial é o olhar corajoso.


Breno: Olá Prof. Fleming, o senhor comentou que aqui no Brasil dá-se muito valor ao conhecimento do que à criatividade. Eu em particular sempre acho que sei pouco (e realmente sei pouco), durante a graduação fiz muito mais disciplinas que o necessário, agora na pós estou fazendo isso de novo. Mas pela pouca experiencia que tenho tive impressão que as idéias surgem principalmente por analogia, por isso sinto necessidade de aprender varias teorias diferentes. O senhor concorda com essa minha idéia, ou acha que o melhor a fazer é parar de disciplinas e focar 100% no projeto?

Fleming: O seu texto demonstra que você já aprendeu uma coisa muito importante. Com isto, conquistou o "direito" de projetar seu currículo, de modo a privilegiar a exploração das analogias. Siga o seu caminho e seja feliz.


alan: Como alguns membros da comunidade já citaram, talvez o perfil dos membros dessa comunidade não seja mais o representativo, por exemplo no percentual entre físicos experimentais e teóricos. Mas com base no perfil ( perfil esse sem muita profundidade) da comunidade seria possível extrapolar um desinteresse dos novos físicos no sentido de se estudar problemas mais clássicos, digamos que fora do âmbito da física de partículas, gravitação e cosmologia, como hidrodinâmica, física atmosférica, acústica,geomagnetismo, MHD. E se isso realmente acontecer, pode está vinculado ao caráter optativo que essas matérias recebem.

Fleming: Física de partículas, gravitação, etc, atraem mais porque são mais divulgadas. Mas a grande maioria dos físicos está fora dessas áreas. O Brasil está tendendo rapidamente a isso, se já não chegou lá. Historicamente, aqui se começou com raios cósmicos, e isto é uma outra fonte de assimetria.


Ozzy: Prof. Fleming, Como o Sr. escolheu com quem e em qual área trabalhar?

Fleming: Os meus dois primeiros orientadores viajaram para o exterior. Só havia o prof. Osada, e foi ele quem determinou a área em que eu iria trabalhar.

Ozzy: Quais foram seus medos e receios (se houveram) após obter o Bacharelado, e após obter o doutoramento?

Fleming: Procurava não pensar muito nas coisas que podiam dar errado. Mas eu achava que tinha uma boa chance, porque tinha bastante prestígio entre os professores. Depois do doutoramento eu tinha medo de não conseguir trabalhar sem o meu orientador. Meu primeiro trabalho "solo" curou tudo.

Ozzy: Que conselhos o Sr. daria para os físicos da comunidade que para serem bons professores/pesquisadores?

Fleming: Bons professores: Markus Fierz, físico suiço, ex-aluno de Pauli, era uma grande professor. Perguntaram a ele o segredo. Ele disse, no seu pesado sotaque alemão: "To give a good lecture you have to prreparre, and prrreparre and prreparre it"

Ozzy: Qual seu segredo em manter a vitalidade para o ensino e a pesquisa? O que mais lhe motiva nesse sentido? O Sr. já se sentiu desmotivado em algum ponto de sua carreira? Se sim, como reverteu o quadro?

Fleming: Não tenho tanta vitalidade assim. Já tive muito mais. O segredo é não envelhecer, mas não sei como se faz isso! Mas, nunca me senti desmotivado. Talvez porque não tenha escolha: não sei fazer nenhuma outra coisa...


Fabio: Prof Fleming, desculpe a pergunta mas qual foi a sua maior decepção profissional? E qual a sua maior alegria?

Fleming: No dia a dia, as maiores decepções são os pareceres rejeitando aquele artigo que você achava tão importante. Em geral ela, a decepção, vem acompanhada da ira ao se perceber que o referee nem se deu ao trabalho de ler com atençaõ o artigo, e da angústia de ter de responder ao referee, afundar de novo naquele processo que você julgava já ter terminado. Mas é inevitável, e é o fel da carreira de um pesquisador. O próprio Einstein teve um trabalho rejeitado pelo Physical Review (e ficou furioso!). O referee que rejeitou o artigo de Einstein foi H. Robertson (da métrica de Robertson-Walker) e ele tinha razão: o artigo estava errado.

Nessa mesma linha, quando o trabalho é aceito por uma revista importante, sempre se estoura uma champagnezinha (pessoas que publicam muito em boas revistas, como a profa. Carolina Nemes, têm de ter mais comedimento...).

Num plano mais elevado, e trocando decepção por tristeza, a maior tristeza de minha vida profissional foi a morte de Jorge André Swieca. Jorge André era o homem que dava as respostas definitivas ás minhas dúvidas. Ele tinha um talento inigualável para identificar, quase instantaneamente, o ponto crucial do problema, e tudo se transformava em luz. Sua morte me deixou pequeno.

Fabio: Muito obrigado Prof Fleming.

"Ele tinha um talento inigualável para identificar, quase instantaneamente, o ponto crucial do problema"

Essa é uma qualidade que eu invejo muito nos mais talentosos e experientes.


fernando: Prof. Fleming,

J. Osada em seu livro Evolucao dos Conceitos da Fisica, recomenda que quem for trabalhar em centros isolados ou pequenos, prefira trabalhar com fisica matematica, refinando teorias ja existentes. Mas "refinar teoria" usualmente leva a poucas publicações, e em um mundo em que "publish or perish" é quase regra, como conciliar essa sugestão? Ou ela não vale mais nos dias atuais?

(Tem outras tantas perguntas, mas acho que o que ja existem ja da para preencher muito tempo!)

Fleming: Trabalhei com Osada num período em que, mesmo em São Paulo, se estava muito isolado. Os preprints chegavam aqui no mínimo dois meses depois de term sido divulgados nos grandes centros, e as revistas, muito mais tarde. Você só pegava as sobras. O jeito era trabalhar fora do mainstream. Menos mal que não havia o publish or perish.

Hoje em dia você lê o arxiv junto com o seu concorrente americano. Não há mais isolamento. Há algum lugar que não tenha internet?

Agora, se eu conheço o Osada (e eu conheço!) o que ele chama de física-matemática não é o que você encontra nas notas do Barata (teoremas, grandes sínteses, analogias sobre analogias, etc.), mas métodos de cálculo, estilo Whittaker-Watson, Bateman Manuscript Project, ou mesmo Jackson. Estender os cálculso existentes a situações mais realísticas e complicadas. Aliás, isto era o que o Jackson fazia, antes de virar autor de livros. O excelente físico franco-brasileiro Jean Meyer me disse (antes do surgimento do livro) que o J.D. Jackson era famoso como a pessoa que podia calcular qualquer coisa: desde uma antena de satélite até a viga mestra de uma ponte. O Osada também era capaz disso.


[)/\\/|[) Enoch: Prof. Fleming, o sr. citou a Profa. Carolina,

"Nessa mesma linha, quando o trabalho é aceito por uma revista importante, sempre se estoura uma champagnezinha (pessoas que publicam muito em boas revistas, como a profa. Carolina Nemes, têm de ter mais comedimento...)."

..com quem tive o prazer de trabalhar, e conviver, no mestrado e doutorado, na UFMG. Com ela e com o prof. Marcos Sampaio, do mesmo grupo de pesquisa, em teoria quãntica de campos e partículas. Agora, infelizmente, estou afastado desse mundo "real e físico". A profa. Carolina é um verdadeiro "foguete" em forma de professora e pesquisadora! Haja fôlego (e imaginação!) para pelo menos tentar acompanhá-la!

O sr. trabalhou com a Profa. Carolina? Publicaram algum artigo juntos?

Fleming: Não, nunca trabalhei com a profa. Nemes. Ela foi minha brilhante aluna, e é minha amiga. O Marcos Sampaio fez o mestrado comigo, e publicamos um ou dois trabalhos em colaboração.

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