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Entrevista com Alberto Giovannini (Henrique Fleming) - Página 3
Rafael II: Não posso deixar de comentar: excelente entrevista.
Quero perguntar também!! :-P
1) Tradicionalmente no Brasil se estabeleceu uma regra: os bons alunos de física se tornam cientistas, os "não-tão-bons-assim" vão para outros mercados de trabalho.
Hoje o quadro comeeeeeça a mudar: empresas admitem físicos em seus programas de trainee, cartazes começam a aparecer com anuncios de vagas para físicos nos murais do IF, alguns institutos investem em palestras sobre o ambiente corporativo e sobre outras possibilidades para os recém-formados (por exemplo: o IFSC está fazendo ciclos de palestras sobre empreendedorismo e inovação empresarial), temos alguns exemplos de empresas de alta tecnologia bem sucedidas fundadas por físicos (A OPTOEletrônica, para citar uma), etc...
Como o senhor vê essas tendências? É bom ou mau que o meio acadêmico tenha que competir pelos melhores alunos de física?
Fleming: É ótimo para o país, e ótimo para o meio acadêmico: quando isto acontecer as vagas dos cursos de física serão preenchidas in toto por estudantes de ótima qualidade.
Rafael II: 2) Há um conjunto mínimo de tópicos que uma pessoa deve estudar e conhecer para ser um físico? Ou ser um físico é olhar problemas de uma determinada forma? Ou não existe uma característica em comum que demarque os físicos dentre os outros cientistas?
Fleming: Bom, os físicos não costumam usar aventais. :-)
Depois de alguma introspecção, cheguei à conclusão que, se alguém não sabe mecãnica quântica, não consigo considerá-lo um físico bona fide.
Não consigo imaginar nada de mais profundo.
Rafael II: Enfim, talvez a síntese seja: o que é um físico?
Consuelo: Vida de físico
Com tantas exigências que o mercado faz, como fica a vida particular de um físico( ou de uma física): são tantos cursos, doutorados, estágios, desenvolvimento de teses, etc...dá para um físico ter tempo para constituir uma família ou os físicos estão sendo "forjados" ao celibato?
Fleming: Leia os livrinhos autobiográficos do Feynman e você vai ter uma surpresa...
Leonardo: Prof. Fleming, acho que o sr. deveria considerar a sugestão do Tom. Acho que há um interesse em conhecer mais da nossa história. :-)
Eu queria fazer duas perguntas pessoais, para nosso registro biográfico :-): O sr é casado? Tem filhos?
Fleming: Sim, sou casado. Minha esposa é arqueóloga, e trabalha no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Tenho uma filha, formada em Administração.
Leonardo: Que alunos que o sr teve, além do Daniel Ferrante, mais o marcaram?
Fleming: Vou citar apenas os mais antigos, que já se tornaram professores estabelecidos (nos locais citados entre parênteses), e que tiveram, ao menos iniciação científica comigo:
Ivan Ventura (já falecido), Paulo Caldas (professor na UnB), Vanda Lidia Romano da Silveira (UnB), José Wadih Maluf (UnB), Iberê Caldas (USP), Jorge Lyra (USP), Carmen Prado (USP), Carlos Eugenio Carneiro (USP), Wagner Truppel (O Rengaw da comunidade Physics, atualmente em Copenhague), Bruno Meyer (Paris), Paulo Bedaque (Lawrence Berkeley Laboratory), Roberto Schonman (UCLA), Luis Raul Abramo (USP), Cristina Chiappini (Trieste), João Francisco Justo Filho (Poli), Carlos A. Savoy (Paris VI), Shan-Wen Tsai (Univ. California), Marcos Sampaio (UFMG), etc.
Leonardo: O Lifshitz lhe contou algo sobre a concepção do livro dele com o Landau? O sr saberia dizer quão precisa pode ser a lenda de que no livro "não há nenhuma idéia de Lifshitz e nem uma única palavra de Landau"?
Fleming: É. O Lifshitz dizia que o livro procurava reproduzir a física do "my master, Landau". Landau jamais escrevia. Mesmo os artigos só de autoria dele, eram "produzidos" por seus devotos alunos.
Leonardo: Quem foi Luiz Carlos Gomes, o professor que o sr. mencionou no primeiro post? (Provavelmente não é o mesmo Luiz Carlos Gomes que eu tive como professor no IFUSP :-))
Fleming: Não. É outro. Luiz Carlos Gomes é um amazonense que estudou no Rio e doutorou-se no MIT, sob a orientação de Victor Weisskopf. É um dos autores do famoso clássico de Many-Body Theory, o "Gomes, Walecka, Weisskopf". É um físico nuclear teórico, já aposentado. Foi orientador do Prof. Piza e de inúmeras outras pessoas. Um físico extremamente brilhante e irrequieto, esteve em muitas instituições, e, em duas épocas distintas, na USP. Foi professor do MIT. Um dos fundadores do CCM. Grande figura!
moT: Livros: Professor, legal saber que está escrevendo alguns livros. O senhor poderia nos dizer quais são ou os assuntos que abordam? (se for estragar o segredo, aguardo as publicações )
Licenças: O senhor já parou para pensar no tipo de licença que vai usar nos seus livros? Que tal usar uma licença do tipo Creative Commons? (Uma que facilite ao máximo a difusão de suas obras para fins de estudos) Acredito que poderia ser um estímulo enorme para outros acadêmicos da USP, principalmente as futuras gerações, seguirem tal exemplo. Considero essa questão do tipo de licença e sobre direitos autorais importantíssima, principalmente quando uma obra é produzida numa instituição pública. O senhor concorda?
Fleming: O primeiro, já quase pronto, é sobre Tensores na Física.
Os outros não têm ainda título. Mas vão ser e-books. Não estou escrevendo para auferir qualquer lucro, mas para colocar livros de qualidade à disposição dos que não podem adquirí-los.
moT: Cursos de graduação ontem e hoje: O senhor poderia comparar em termos gerais o curso de graduação que fez na USP e o atual? - número de alunos por sala de aula; qualidade dos cursos, alunos e professores; se havia um maior relacionamento entre estudantes de diversas áreas do conhecimento na universidade (de física, matemática, biologia, química, filosofia...).
Fleming: Com poucas e honrosíssimas exceções, os cursos eram horríveis, e era chic para um professor faltar aulas... Só não desisti porque havia os matemáticos, muito sérios, eo Goldemberg, que era um professor excelente, e muito motivador, interessado nos alunos. O Schenberg só dava aulas (belíssimas) ocasionalmente. Peguei a Física no seu mínimo. Havia poucos alunos. Minha turma era de 18. Exceto pela química, biologia e geologia, todos os cursos da Filosofia eram na Maria Antonia. Havia muito contato. Até demais: tinha fila para o elevador...
moT: História e filosofia da ciência na graduação de ciências naturais e formais: Um curso introdutório, talvez durante todo o primeiro ano ou apenas semestre, de filosofia e história da ciência, seria uma boa para os estudantes futuro cientistas ingressantes na USP? E um estímulo por parte da universidade para esses alunos se relacionarem, como algumas aulas em comum ministradas em grande auditório e contribuindo até para os estudantes de uma área conhecer as outras escolas, é algo necessário? Existia isso na época em que a física era junto á FFLCH?
Integração entre diversas escolas da USP: certa vez ouvi do professor de Lyra "A USP não é uma universidade, mas uma conjunto de escolas". O senhor concorda? Se sim, o que poderia ser feito para diminuir esse distanciamento? Talvez estender a própósito do curso de ciências moleculares para mais gente seria uma boa? Seria viável?
Fleming: A USP é uma universidade. Eu me lembro quando ela era apenas um conjunto de escolas. Há uma grande diferença. Maior integração é possível e desejável. A maior integração entre as unidades que interessa obter é via pesquisas que envolvam várias unidades. Este mecanismo integratório, espontãneo e exigido pelas próprias pesquisas, será mais rápido e eficiente do que medidas paternalistas de tipo administrativo/burocrático.
O CCM foi criado exatamente para facilitar esses contatos.
moT: Questões rápidas: Que tipo de música o senhor gosta?
Fleming: Quando estou sozinho ouço apenas música clássica, especialemente música de camera ou concertos do barroco ou anteriores.
moT: Que livros de literatura e filosofia, não relacionados à ciência, o marcaram?
Fleming: Homero, os trágicos gregos, Cervantes, Tolstoy, Stendhal, Proust, Thomas Mann, e a literatura italiana do século XX, particularmente Cesare Pavese, Leonardo Sciascia, Primo Levi, e quase qualquer poeta não romântico. Lugar especial para Jorge Luis Borges.
Filosofia: Platão, Platão, Platão. "Toda a filosofia ocidental são notas de rodapé a Platão" (Alfred North Whitehead). Bertrand Russell, José de Ortega Y Gasset.
moT: O senhor teve colegas que começaram estudando alguma ciência natural ou formal e acabaram indo para alguma área de ciências humanas? Poderia mencionar as áreas, caso sim?
Fleming: Sim. Filosofia, artes, teologia, política.
moT: O senhor mantém contato profissional com pesquisadores de outras áreas?
Obrigado e abraço!
Fleming: Sim, principalmente com historiadores. E sou membro do Centro de Lógica e Epistemologia da Unicamp.
Kaique: professor este livro de tensores vai tratar o ponto de vista clássico, moderno ou os dois?
Fleming: O livro é inspirado nas "Léçons sur la Géometrie des Espaces de Riemann", de Elie Cartan, de modo que as idéias de Cartan, que são o cerne da geometria diferencial moderna, estão lá. Por outro lado, a forma do livro é (como o texto de Cartan) clássica. Originalmente havia uma segunda parte na linha de cartas, atlas, difeomorfismos, bundles, etc. Mas o livro ficava um monstrengo. Então a parte "moderna" vai ficar para outro livro.
Paulo E.: 1) Cosmologia e Fisica de Particulas
Pode ocorrer de um estudante de graduacao vir a ter um interesse genuino pelas areas de cosmologia e de fisica de particulas. Nesse caso, é possivel a um fisico vir a se especializar em ambas essas areas? Se sim, qual seria o 'road map', o caminho a trilhar, que o senhor indicaria para tal estudante, em termos de topicos essenciais que ele deveria estudar para adquirir um expertise nessas areas?
Fleming: Sim, é possível, e é muito freqüente.
Um bacharelado feito com muito empenho, e, depois, contato com um professor em franca atividade nessas áreas, como o profs. Elcio Abdalla, Raul Abramo, José Ademir Salles de Lima...
Paulo E.: 2) Cursos de Graduacao em Fisica
- Qual seria na opiniao do senhor a grade ideal de um curso de bacharelado em fisica?
- Qual sua avaliacao do curso de fisica do ifusp tal como está organizado hoje? Que pontos o senhor considera positivos e deficientes do curso? Se o senhor estivesse na posicao de fazer alteracoes na estrutura do curso, quais seriam elas?
Fleming: É impossível a uma pessoa avaliar corretamente a grade de física de um instituto grande. Muitos interesses devem ser atendidos: muitos grupos de pesquisa, cursos dados para outros institutos, etc. Isto é trabalho para uma comissão, e trabalho duro. Já fui presidente da comissão de graduação e sei o tamanho do problema.
Paulo E.: 3) Livro Didatico
O senhor tem planos de escrever um livro didatico, para ser usado em cursos, no escopo de um livro como o de quantica, do Prof Piza, por exemplo? Se sim, em que area seria: fisica basica, quantica, relatividade, fismat?
Muito obrigado.
Breno: Eu gostaria de saber como foi o contato que o senhor teve com o Feynman, como eram suas aulas e etc...
Fleming: Eu assisti a um curso dado pelo Feynman no CBPF, de Estado Sólido (pode-se obter o texto no site do CBPF). Creio que durou um mês, ou um pouco menos.
Ele dava aulas em português, e falava bastante bem, com um sotaque carioca bem carregado. Curiosamente, na primeira aula ele explicou que, embora o curso fosse em português, as perguntas teriam de ser em inglês!
As aulas, é claro, eram magníficas. Freqüentemente ele resolvia em classe um problema original, que tinha lhe ocorrido durante a noite.
Uma coisa que me chamou a atenção foi que, às vezes, uma coisa que tinha parecido completamente clara, durante a aula, se revelava dificílima, depois, quando se repassava em casa a matéria. A gente levava às vezes horas para reproduzir um argumento que, em classe, tinha parecido óbvio!
Fernando: Professor o senhor já respondeu que se pode perfeitamente não pesquisar apenas algo específico, aí eu pergunto pro senhor, quais os prós e os contras. Porque eu gostaria de trabalhar com altas energias, eu faço IC em cosmologia, mas gostaria de ir pra hep-th, mas não após o doutorado abordar apenas um tema específico. Aí gostaria de saber do senhor que trabalhou com mais de um tema de pesquisa, se é que se pode chamar de tema, quais os prós e os contras em não "ficar" em apenas um assunto específico.
Fleming: Não entendi direito o que você está perguntando. Você desejaria trbalhae em pesquisa em mais de uma area ao mesmo tempo, e antes dou doutoramento?
Fernando: Não, o que eu quis dizer é que após o doutorado não gostaria de ficar na mesma área, e não mais de uma área ao mesmo tempo. Mas apenas eu não gostaria de ficar sempre na mesma área, mas sempre atacar problemas diferentes. Aí gostaria de saber do senhor, os prós e os contras de não ficar apenas desenvolvendo a tese de doutorado.
Fleming: Vou inverter a pergunta, e dizer os prós e contras de ficar apenas desenvolvendo a tese de doutorado. Estou trabalhando com a hipótese de que a sua tese de doutorado não tenha sido alguma coisa como o que Newton fez no "Ano maravilhoso": se foi, abandonar a tese seria um crime contra a humanidade. Se for uma tese um pouco mais normal, então,
Pró: continuar refazendo a tese dá muito menos trabalho, menos ansiedade, e iguais proventos. E você não precisa ficar acompanhando a literatura. Fica na sua. Mas é um s...
Contra: Procurar problemas novos dá muito mais trabalho, muito mais ansiedade, e iguais proventos. E você tem que ler feito um condenado. But it's fun!
Ozzy: Prof.,
Qual seu método/técnica para escrever os seus livros e e-books?
Fleming: Chi, rapaz! Não tenho nenhum método consciente não! Vou escrevendo e tentando ser claro.
Ozzy: Exemplo: Construção de idéias, limitar os tópicos, definir um limite inferior, propor idéias, etc...
O Senhor primeiro faz manuscritos? Digita sempre suas idéias diretamente no livro? Como escolhe o que colocar e como colocar nos seus livros?
Fleming: Sempre escrevo primeiro à mão. Em geral eu escrevo em pequenas unidades, que tratam de um tema específico. Se você olhar nas minha homepage vai entender o que eu quero dizer.
Ozzy: opinião pessoal:
Muitos autores são prolixos, e as idéias se perdem nos textos. Os autores (cientificos e não cientificos) que prefiro possuem uma linguagem simples e objetiva, e parecem conversar com o leitor.
Como Feynman, Griffiths, etc...
Percebi que o Sr. segue essa linha, gosto muito de seus e-books e principalmente de seus posts aqui no orkut!
O Sr. considera essa qualidade como um dom ou resultado de experiência aliada a um esforço?
Obrigado
Fleming: Olhe, se os meus textos agradam, isto se deve, provavelmente, a dois fatores:
(1) Eu gosto muito de conversar.
(2) Sempre li muito, muitíssimo. E, por sorte, os livros que eu gosto de ler, são, na maior parte dos casos, livros de escritores considerados grandes mestres. Há quatro ou cinco escritores que podem ter influenciado a minha maneira de escrever, de tanto que os li: Pascal, Tolstoy, Jorge Luis Borges, Cesare Pavese e Leonardo Sciascia. E, claro, tão óbvio que ia até esquecendo, Monteiro Lobato.
Consuelo: Filosofia na ciência
Como o senhor considera o tema "Filosofia na ciência"?
Fleming: Como a filosofia é praticada hoje, tenho opinião semelhante à de Weinberg e à Sokal-Bricmont.
Sou, de outro lado, um grande admirador e devedor do empirismo lógico do Círculo de Viena, notadamente de Hans Reichenbach e Carnap. E alguns dos livros que mais me educaram foram de Bertrand Russell.
Consuelo: De um modo geral está faltando conhecimento humanístico na área científica?
Fleming: Quem sou eu para julgar?
Consuelo: Como ficam as questões que exigem a discussão ética na pesquisa científica?
Fleming: Suficientemente complicadas para que eu me afaste deliberadamente das áreas mais conflagradas. Porém devo dizer que grande parte das chamadas questões éticas são, na realidade, questões religiosas.
Adriano: Prof. Fleming, o que a comunidade científica valoriza mais num pesquisador hoje? Em especial, refiro-me aos mais jovens, que ainda não se estabeleceram totalmente, ou, ainda mais, àqueles que estão prestando um concurso. Qual é o balanço esperado considerando como ingredientes o número de publicações, a qualidade desses trabalhos, a solidez da formação e o domínio de física? Valoriza-se mais uma forte especialização ou há alguma valorização, digamos, da erudição geral?
Fleming: Não há uma resposta única a estas perguntas. Sequer existe uma "opinião comunitária". Depende da banca, e fortemente.
Um conselho: o que pega muito mal, provavelmente com qualquer banca, é o candidato falar do que não entende profundamente. Já vi candidatos com currículos que devastaram dezenas de alqueires de florestas se afundarem porque começaram a falar em projetos que envolviam, por exemplo, álgebras de von Neumann, que eles conheciam por alto, mas que calhavam de ser a especialidade de um dos professores da banca. Bancas não toleram falta de seriedade. "Pauca, sed matura" é o meu conselho.
LuCaSSS: prof,
O que você acha da regulamentação da profissão de Físico no Brasil , os prós e contras?
Fleming: Caro Lucas, a única regulamentação da profissão de físico que eu apoiaria seria esta: serão considerados físicos para todos os fins
(a)aqueles que completarem os cursos universitários de física
(b)aqueles que, não tendo cumprido o item (a), apresentem publicações originais em revistas científicas de física que funcionem no sistema de peer review.
Isto resolveria problemas embaraçosos, como o de Y. Zel'dovich, grande físico russo que não tinha nenhum curso superior, ou de um excelente físico brasileiro, Jean Meyer (a quem devo muitíssimo) e que também não era "formado".
Leandro II: Prof.
Dei uma olhada nas disciplinas do ciclo básico do CCM e vi que os alunos têm aulas de laboratório de biologia mas não vi nada parecido nas disciplinas de física e química, o senhor acha certo isso? Acha que laboratório de física e química não ajudariam os alunos a ter uma melhor noção do 'todo'?
Fleming: Nos dois anos do ciclo básico do CCM não há mais espaço para nenhum curso. Eles já tem, em minha opinião, aulas demais.
Porém, e esta é a filosofia do curso, no ciclo avançado cada aluno pode fazer todos os laboratórios que quiser.
Estou falando apenas na condição de professor do curso. Não pertenço à Comissão Diretora ou ao Conselho Diretor, a quem cabe essas decisões.
moT: Professor Fleming,
e reduzir o tempo em sala de aula, principalmente a partir dos terceiro e quarto anos, seria algo bom, na sua opinião?
Não consigo entender porque temos que passar tanto tempo trancados numa sala de aula nos cursos mais avançados do IFUSP, alguns professores até cobrando lista de presença!
No começo do curso, tudo bem, pode-se argumentar que os alunos vêm do colégios acostumados a ter tudo mastigado. Mas não deve-se esperar que no decorrer dos anos de graduação os alunos adquiram um pouco mais de maturidade e se tornem um pouco mais independentes do que quando entraram. Ou isso deve ficar só para a pós-graduação, na sua opinião?
Não estou dizendo que é impossível deixar de ver as aulas e fazer as provas. Fiz isso praticamente todo meu curso e tirava minhas dúvidas diretamente com os professores (às vezes não o que ministrava a matéria).
Apenas estou questionando se não seria bom um curso que servisse mais como orientação de estudos e depois provas para ver se o aluno realmente entendeu alguma coisa.
Fleming: Idealmente, sim. Mas há um grande número de alunos que consideram aprender como um sinônimo de assistir a aulas. Surpreendo-me com a freqüência com que aparecem posts no orkut com o seguinte teor: vou fazer física e depois matemática (ou combinações mais surpreendentes ainda, do tipo: vou fazer física no noturno e depois no diurno). Não creio que se possa, a curto prazo, mudar essa cultura, e convence-los de que o aprendizado se dá no estudo individual, introspectivo. E não podemos simplesmente abandonar esses alunos. Afinal, até entrarem na universidade, pelo menos, vem sendo dito a eles que é na sala de aula que se aprende! E os cursinhos levam isso ao paroxismo!
A solução que vejo é permitir que o aluno assista as aulas com a freqüência que considerar adequada.
Freeman Dyson disse :"A educação avançada se dá não nas salas de aula, mas nos museus e nas bibliotecas". He should know!
Leandro Seixas: Alberto,
Primeiro, sei que o senhor é um defensores de que não é aconselhável escolher uma instituição para se fazer a pós-graduação, mas sim um orientador. Além disso, uma coisa que eu já ouvi falar também pelos cantos, é que não se deve procurar uma área de pesquisa, mas sim um problema em aberto da física (e.g.: não se deve procurar por física de partículas, mas sim, por problema da hierarquia, bariogênesis, GUT, massas dos neutrinos e etc). O que o senhor acha disso? Isso realmente pode ser útil para um aluno?
Fleming: Pela precisão, esse preceito é do eminente zoólogo Paulo Vanzolini. Não é que seja desaconselhável escolher uma instituição: apenas, não é o melhor procedimento possível. Mas, muitas vezes, instituições não permitem essa escolha. Então é importante que você esteja em uma onde o nivel geral é muito alto.
Um aluno que inicia a pós-graduação raríssimamente está a par de problemas em aberto e solúveis a prazo curto. Os alunos conhecem, em geral, os problemas abertos e muito difíceis. O que um orientador tem de especial é exatamente isto: tendo acompanhado o fluxo das pesquisas há muito tempo, percebe o momento em que se tornou exequível a resolução de um certo problema, ou presenciou o nascimento de um problema novo, que ninguém tinha individuado até então. De modo que, na imensa maioria dos casos, quem escolhe o problema é o orientador.
Leandro Seixas: Segundo, o que faz as universidades americanas e europérias serem tão "melhores" que as universidades brasileiras? E o que faz as universidades paulistas serem tão "melhores" do que as universidades do "resto" do Brasil?
Fleming: As européias não são tão melhores assim. Se se transplantasse a UFRJ, digamos, a um país europeu de ciência avançada, por exemplo, a Holanda. estou convencido de que, sem mudar uma única pessoa do quadro de pesquisadores, se teria um desempenho bastante superior. Ambiente, infraestrutura, administração, são componentes importantes, também.
Sobre as americanas, já comentei em outro post.
Não acho que as universidades paulistas sejam melhores que as melhores não-paulistas. O IMPA não fica em São Paulo. As diferenças são, creio, devidas a um financiamento melhor (FAPESP) e ao fato de que São Paulo é mais bem administrado que o Brasil como um todo. Sem falar que os salários em São Paulo são mais altos. Além disso, é mais facil estudar em São Paulo do que no Rio, com toda aquela beleza convidativa...
Leandro Seixas: Terceiro, o senhor acredita que "novas" tecnologias como: orkut e Wikipedia podem ter um papel importante para a formação de um cientista? Ou boa formação mesmo só se obtem estudando por livros como o Jackson, Sakurai e Goldstone; e internet só serve para melhorar as relações entre os cientistas?
Obrigado. ;-)
Fleming: Certamente, com os devidos cuidados. O cuidado consiste em controlar o que se escreve no orkut e wikipedia, comparando os textos com os dos livros consagrados (não conheço o livro do Goldstone, mas, pelo autor, deve ser excelente).
O uso principal da internet é quando se passou da fase de ler livros para a fase de ler papers. Aí, a história da ciência se divide em duas partes: antes e depois do arxiv.
Consuelo: O melhor antídoto para a filosofia da ciência é o conhecimento da história da ciência?
Fleming: Bem, a filosofia da ciência não é um veneno, que exija antídoto. Existe excelente filofia da ciência. Mas, se fôssemos usar a palavra, o melhor antídoto é o conhecimento da própria ciência.
Consuelo: A longo prazo a Universidade, tal qual ela é hoje em qualquer lugar no mundo, sofrerá mudanças radicais, ou até desaparecerá, dada a incessante necessidade de atualização?
Fleming: Não sei. "Predicting is difficult, especially about the future" (Niels Bohr).
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